sexta-feira, 6 de abril de 2012




CASTRO ALVES... O VATE DOS ESCRAVOS

Era uma vez... Era assim que começava... Eu era menino hoje me lembro das histórias que vovô contava: o Pavão Misterioso, o Conto do Boi Mandingueiro...

Foi nesse universo nordestino, rico em folclore, que nasceu Cecéu, apelido caseiro de Castro Alves, que, quando menino, foi criado em um sertão fervilhante de rimas populares, poetas repentistas, os famosos cantadores cordelistas...

Castro Alves foi, antes de tudo, um menino sertanejo, que se moldou, desde cedo, suas predileções de gosto poéticas. Um pouco mais tarde, a leitura e ao vasto estudo acumularam-se novos recursos, forneceu-lhe vocabulários abundantes e roupagens inéditas àquela estética primitiva, aprendida dos versejadores espontâneos do seu sertão nordestino... Os grandes cordelistas, que ainda existem no imenso nordeste brasileiro, de terras secas calcinadas pelo sol...



Foi assim que começou o vôo deslumbrante de um poeta de genial talento...

Albatroz! Albatroz! Águia do oceano!
Tu, que dormes das nuvens entre as gazas.
Sacode as penas, Leviatã do espaço!
Albatroz! Albatroz! Dá-me estas asas...

Sabe quem Castrou o Alves? Foi o Machado de Assis! Como? Camões! Que sujeira? Deixa que Olavo Bilac! Maravilha de “trocadalho do carilho”... Eça é do Queiroz! Jamais pense em contar esse chiste no Bar do Alves... Assim diria o seu zeloso gerente: “Afinal vocês vieram aqui pra beber ou pra ofender”? “Não somos sátiros e nem satíricos, seu maitre; porque a sátira no Brasil só a pratica os papagaios”... “Nós estamos só repetindo uma graça”... “A Graça é a alegria do brasileiro, assim como o céu é para o justo”... Estamos lembrando o borbulhar de um gênio chamado Castro Alves, o poeta da raça, da abolição, o Vate dos Escravos...

Quem são estes desgraçados
Que encontram em vós
 Mais que o rir calmo da turba
 E que excita a fúria do algoz?

Oh! Bendito o que semeia
 Livros... Livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo Na alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar...

Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847, na fazenda Cabaceiras, na então freguesia de Muritiba, Comarca de Cachoeira, a poucas léguas de Curralinho, na Bahia. Foi batizado em 9/07/1847, com o nome de Antonio Frederico de Castro Alves, logo apelidado, carinhosamente, de Cecéu.

Castro Alves foi o mais nacionalista e humanitário poeta social. Tudo na vida do gênio aconteceu antes que na vida dos demais poetas. Para um gênio não existe a medida do tempo. Não viveu uma experiência sua, viveu a experiência de um povo, de uma raça, de uma nação... Marcaram sua vida somente 24 anos de intenso viver, de amar e de sonhar sofregamente... Castro Alves foi um grande despertar de um nativismo... Suas poesias continuam e continuarão belas eternamente...

Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança.
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...

Tu que da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!

Depois de muito andar, viajar, estudar, amar, versejar e sonhar sofregamente, o poeta Castro Alves, a mais pura expressão da poesia brasileira, em 1870, então com 23 anos de idade, com enfraquecimento pulmonar, bastante combalido, causando seu estado apreensão, volta para o Curralinho, no sertão baiano, a conselho médico, a fim de se recuperar...

O campo é o ninho do poeta, assim como a ave que retorna ao ninho, depois de um longo e tenebroso inverno...

Dizia-se, a boca pequena, um velho ditado na região: “as moças de Curralinho não gostam dos rapazes de Ponta Grossa”... Daí, quem sabe, o porquê do nome da cidade de Curralinho ter sido alterada para Castro Alves, em 25/07/1909, como sede municipal, por efeito da Lei Estadual nº. 360. Justa homenagem ao poeta das Cabaceiras, que colocou sua inspiração ardente a serviço da liberdade dos escravos!

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga
Como um íris no pélago profundo...

A casa natal de Castro Alves, na Fazenda Cabaceiras, Muritiba, Bahia não existe mais. A história da vida de Castro Alves não pode ser registrada apenas pelas datas e fatos que marcaram seus 24 anos de vida. Toma-se dimensão muito maior. Seu canto vem de longe. Encarna o amor à liberdade. Poeta titânico, filho da terra, em que a sua voz, a sua grande voz, é ouvida pelo povo, que a repete, porque nela sente o ritmo grandioso do coração dos brasileiros... Castro Alves foi um poeta da revolucionária vanguarda abolicionista brasileira e maior e principal representante da poesia condoreira, caracterizado pela sua grandiloqüência.

A praça! A praça é do povo, como o céu é do condor...

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... Se é verdade
Tanto horror perante os céus...

Castro Alves, em 1871, então com 24 anos, no mês de junho, na noite de São João, tem a sua saúde bastante agravada... Poucos dias depois, naquele triste 6 de julho, expirou-se às 15,30 horas, em Salvador, capital baiana, junto a uma janela banhada de sol e brancas nuvens barrocas, circundado por um mar imenso, leitoso reino de Iemanjá, para onde fora levado, de acordo com o seu último desejo... O poeta olhava sempre para o alto e voltava-se sempre para a luz...



Também me fecha as pálpebras!
Sem ela o que é a vida?

Ontem, hoje, amanhã, sem idade certa e sem repouso histórico, o Vate dos Escravos, símbolo e registro de uma luta que ultrapassou épocas, partiu... Sua alma será para todo o sempre uma flama e uma flor...

E, à tarde, quando o sol, condor sangrento,
 no ocidente se aninha sonolento,
 e como as abelhas na flor,
 Deus num cerro o fixou...

Silêncio, Musa! Chora e chora tanto!
Que o pavilhão se lave no teu pranto...

O seu lar paterno, a casa das Cabaceiras, onde nasceu Castro Alves, filho do médico, Dr. Antonio José Alves e de dona Clélia Brasília da Silva Castro, foi reconstruído em 1971, ano do centenário de sua triste e prematura partida...

Inaugurada no governo Luís Viana Fº. A obra obedeceu, com rigor, às linhas arquitetônicas originais, com aproveitamento do material da antiga fazenda. Hoje serve de museu e de escola pública estadual...

O sol raiava, cantava o galo, alegre, no terreiro, o mugido das vacas misturava-se ao relincho das éguas que corriam de crinas soltas pelo campo aberto, aspirando ao frescor da madrugada...  O campo é o ninho do poeta...  Quanta beleza nessas trilhas...

Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes?
Em que mundo, em que estrela tu te escondes.
Embuçado nos céus?

Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde está Senhor Deus?...



Naquele nordeste, onde nasceu Castro Alves, era uma transição de paisagens. Os recortes azuis da serra do Aporá, demarca uma imensidão de terras calcinadas de sol, onde medravam cactos e arbustos desfolhados. Era o sertão que se estendia rumo ao Velho Chico. A paisagem das baraúnas em flor e do bom cheiro do mel dos tachos dos engenhos... Zona dos verdes canaviais do Recôncavo, mais que transição, era choque... Era o embate de duas culturas: a do Recôncavo barroco e escravocrata, e a do sertão feudal, místico e violento, que dali nasceu um gênio chamado Castro Alves... Talvez! Quem sabe o pó tudo resume! Mas o teu coração, ainda saudade ficou...

Diga-me Senhor Deus,
Se eu deliro ou se e verdade...

Mas é infâmia de mais... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...

Andrada!
Arranca este pendão dos ares!

Colombo!
Fecha a porta de teus mares...








Nenhum comentário:

Postar um comentário